terça-feira, 14 de dezembro de 2010

um emaranhado de sons...




meus ouvidos estão confusos ou escuto mesmo uma  mistura de grilos, sons de noite depois da chuva, televisão ligada, chuva, ruído, ai...ai..ai...a chuva venceu. Barulhinho único. Estalando folhas, estatelando gota na terra, perfumando o ar. Vento, friozinho, carícia neste fim de noite quente. Assim podia ser sempre, sem alagamentos, apenas para refrescar. Resfria o espírito, inspira, amadurece, acalma.
...é fechar os olhos e viajar. Pra onde iria eu? Que lugar? Com que rapidez? Nostalgia de fim de ano anunciado. Natal, luzes, coração aquecido, meio doido, porém mais consolado. Cheiro de avelã, rabanada, sons de falas queridas, umas presentes, outras na memória. Guarde sempre meus ouvidos esses sons e outros para que nos momentos de tristeza, solidão ou espera eu possa apenas fechar os olhos e ter companhia. 

sábado, 11 de dezembro de 2010

No viés do vento

...o vento assoviava. Dava-lhe uma agonia desgraçada. Rolava na cama, tentando espantar o incômodo. Mas as vidraças batiam. O suor a escorrer pela testa. Aí se irritava, batia com as mãos na cama. Espichava o punho até a cabeceira e olhava o relógio, as horas passavam velozes e ele lembrava que acordaria cedo. Um gosto amargo na boca e do estômago um friozinho perpassava quando pensava no dia seguinte. Não haveria mais desculpa, tinha que terminar o serviço.
Será que ninguém o havia seguido? Será que tinha limpado tudo da melhor maneira? Será que morto não acorda? Seria um sonho? Perambulavam pela sua cabeça dúvidas que dilaceravam sua razão. Teria ele mesmo sido capaz de tal ato? 
Ele seguia como sempre pela mesma calçada. O dia era quente, mas sentia-se feliz, finalmente resolvera que precisava assumir e endireitar a vida da pobre moça. É certo que fora alarme falso, a gravidez desconfiada alguns meses antes era agora passado, assim que as regras de Regina desceram. Mas ele gostava dela. Era simploria, mas era bonita. Não era inteligente, mas era esperta. Se era de família desconfiava que não, mas parecia ser correta. Limpa, com curvas, cabelos sedosos, hálito bom. 
Poderia ser uma companheira interessante. Então atravessou a rua, o coração nesse instante disparou. Viu o apto com a luz acessa. Em sobressalto, viu a porta aberta. Subiu as escadas, meio sem entender.  
Entrou. Chamou. Chamou novamente e nada. Seguiu pelo corredor. E um frio na espinha o fez parar na porta. Só viu os pés. Num vai e vem. Tontura. A cabeça rodou. O rosto que o olhou era conhecido. Um vulto correu e ganhou a rua. Só ficou ele e Regina. Ela o fitou com medo. Sua expressão devia ser assustadora. Ela começou a chorar baixinho, pedia perdão. Ele só lembrava dos dedos no macio pescoço e um barulho surdo. Um estalo. E ela mole, os olhos agora não eram de suplica, eram nada.
Seus olhos, os dela. Nada. O vento cantava, triste, um lamento...

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Hoje acordei alagada

Hoje acordei alagada. Ih! Fiz xixi na cama não! Acordei, tomei café, sai, voltei e tinha uma cachoeira emanando das paredes de minha área. E fiz uma epifania. Pensei o que significa? Será que é dinheiro escoando pelo ralo como dizem os orientais? Será que é algum aviso? Serão os marcianos entrando pela minha parede. Ou será que sou eu precisando urgentemente lavar minha vida com água de rosas e muita lavanda pra afugentar os "coisa ruim"? Faço o que então? Grito pelos bombeiros, chamo a guarda costeira, faço um bote, vejo com quantos paus se faz uma canoa? Acendo um defumador feito de aruanda e pó de guiné, misturado a alfazema e lilás? Ou pego mais pesado e faço um emaranhado de ervas daquelas com pó de café, cimento e canela? O máximo que conseguiria seria botar fogo na casa. 
Então o jeito foi gritar pelo porteiro, que quando veio cismou que meu registro ou será resistro!!!!!!!Não fechava. Santo assassinato da língua portuguesa, estou "meia" cheia disso! Meus ouvidos estão ficando entupidos de tanto ouvir essa maravilhas ditas pelas bocas _ carentes ou nem tanto!_ sobre a nossa língua materna. Mas eis que o meu porteiro, constatando que sou capaz de fechar meu "resistro", isso após ter tentado de toda forma argumentar que o restante do moradores não podiam ficar sem água, fechou a coluna. E eu podia? Podia não ter água, mas podia ficar alagada da água que minava das minhas recém reformadas paredes que agora se fundem num buracão. Calor a parte, fechou-se a tal coluna e agora escrevo com um ressoar de belas pancadas de martelão em meus ouvidos. Pelo menos fecharam-se as cataratas do Humaita.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Calçada pela metade.

Quantos barulhos são necessários? Urgia constantemente a vontade incontrolável de sacudir o corpo feito batedeira. Dava tanta agonia que puxava peles e mais peles da tão massacrada unha.   Ou melhor dos cantinhos das unhas. E deixava sangrar, num vazamento infindavél. Dava-lhe prazer. Assim era sua vidinha. Acordava. Passava um pente molhado pra alisar o cabelo. Jogava uma água nos cantos dos olhos para espantar as remelas. Vestia muitas vezes a mesma camisa ao contrário pra disfarçar - pensava  ele - o amassado. E saia para tomar café no bar. De lá, sentava no mesmo banco pra tomar um solzinho, quando tinha. Ficava olhando os dedos dos pés nas chinelas maltrapilhas e ficava a desenhar ondas do mar - que nunca vira - na areia amarronzada do parque abandonado. E, assim, ficava até o sol esquentar a meia careca, o que denunciava que já devia ser meio dia. Voltava para casa sempre pela mesma calçada. E de longe sentia o cheiro de ovo a fritar na frigideira. Sentava na mesa vestida de meia toalha e almoçava. Comia sempre pão com banana não importava se fosse ovo, macarrão, feijão com peixe ou dobradinha. Depois espreguiçava as canelas finas por baixo da toalha e ia para o quarto tirar uma soneca. Acordava suado e pensava: passei da hora. E levantava num sobresalto. Então olhava o rosto no espelho. Alisava a pele como se pudesse reverter o tempo.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Seria simplesmente assim.

Eu poderia gerar qualquer coisa, mas dependeria de uma iluminação divina que dissesse: Pode ir por aí, criatura confusa! Então, olharia pro chão coberto de estalantes e secas folhas e iria...iria fertilizar o mundo, enchê-lo de colorido, de cheiros acredoces, divertidos, de cortinas brincalhonas, de tortas de banana muito açucaradas e soladas, de risada contagiantes, de jogos de xadrez jogados em fim de tarde chuvosos em plena varanda com vista pro infinito e muito frio arrepiando os pelos das canelas.  
Produziria muitas xícaras de chá com canela, chocolate granulado, rios que congelam os dedos dos pés e deixam ver os peixinhos mordiscá-los. Colheitas inteiras de margaridas e lírios. 
Finalmente cederia a minha mais iluminada sina, a de escrever anos a fio, seguindo o sangue das minhas veias. Relataria tudo, sem sombra de dúvida, iria pelas palavras desenhando os perfis, criando outros, fazendo brotar desse terreno muitas vezes árido um pouco de folhagem verde, fresca e reluzente.
Iria gerar mais um jardim, um canteiro, um quarteirão. Não importa. A vastidão é larga, é imensa, é completamente espreguiçada de mim mesma. E vou me esticando e abraçando com as ponta dos dedos os sonhos mais distante, mais amados, mais...mais...até estalar os ossos.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Os rios que passam em mim...

O tempo devia parar na mesma confluência do meu desejo. As mudanças foram rápidas e apenas hoje, mais especificamente nesse exato momento, ao entrar no quarto e ver o homem amado simplesmente assistindo televisão frente a brisa fresca que entra pela janela, me senti voltando. Retornando de uma viagem agoniada de sofrimento e suspensão, de urgências resolvidas com doses exageradas de dor e sem poder, em nenhum momento, tomar um comprimido pra relaxar - afinal tenho inversão química - o que devia relaxar, altera, o que altera, relaxa e como ninguém pode viver de coca cola e café pra dormir, fui deixando o sono voltar naturalmente.
Nesse revés, pude por fim, voltar como filho pródigo a casa tão querida e por um longo tempo, não cronológico, mas longo de ausência, pude me sentir eu mesma novamente, modificada, mais velha, ressequida e quem sabe madura, mas estando perto de mim, dentro novamente de meu corpo tão revolvido, em carne viva, choroso, lamentoso, querendo um pouco de puro ar, de danças que revigoram, de ventos gélidos e águas congeladas, daquelas que nos despertam a força pra essa vida com trilha sonora tão distinta, alegre e duvidosa, dessa velha nova e inesperada vida, viva e viva continuo, certa de que muitas águas ainda tem que passar por baixo dessa velha ponte bonita de madeira, talhada com o cuidado certo e devido de torná-la segura, flexivel, possibilitadora e prestadora de grandes direções e caminhos, mas que pode também ser mágica e mudar de margens, alcançar novos rios, com correntezas ou não, calmos, serenos, revoltos, fracos, corregos, rios caldelosos, pedregosos, barulhentos, silenciosos, lamacentos e outros com limpas águas. 

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Com poderia ser?

Olhou em volta e só via um mar de gente. Num movimento rápido de piscar as pestanas, ninguém mais existia. E ficou a observar a plataforma vazia. Deu alguns passos e esses ressoavam por todo o espaço. Ouvia a sua respiração, que num ritmo angustiante impulsionava-a a sair correndo, mas conteve-se. Precisava. E ali ficou a espera. Os ponteiros do gigantesco relógio marcavam o compasso da sua longa e determinada decisão. 
Resolveu sentar-se. Dirigiu-se aos bancos que ficavam colados aos trilhos. E ficou a mirar os brilhosos e lisos ferros que serviam de estrada para os trens.
Esperaria apenas alguns segundos...apenas...instantes...e já iam horas, talvez quem sabe dias....mas esperaria apenas alguns segundos...instantes....e já iam horas, talvez quem sabe dias....ou até...meses...anos....galáxias....mas ela só esperaria segundos....apenas...instantes....e já iam horas, talvez quem sabe dias....mas.....horas....instantes...anos....meses...galáxias....mas ela....só esperaria segundos....talvez....meses...ou quem sabe...talvez ....galáxias.

sábado, 19 de junho de 2010

Saramago

Pelos seus olhos eu descobria o que talvez se passasse na alma. O vento que agora ruge em minhas vidraças chora junto a mim sua ausência. Porém como diz Drummond ..." ausência não é falta". Falta em poder através de seus olhos poder devendar outros mundos, mas não falta quando posso recorrer as tuas palavras e mesmo já tendo lido outros mundos ainda descobrirei. 

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Qual seria a escolha?

A escolha é sempre difícil? Ela pensava enquanto escovava os dentes. Acho que não! Ela mesma respondia entre uma cuspida e outra. Eu sou é complicada. Refletia ao olhar a imagem do seu rosto meio distorcido no espelho pela fumaça do banho quente.
Mas por que Diabos temos que escolher, não seria mais fácil ir vivendo e as coisas acontecendo e nós não termos que decidir nada. Mas não um não decidir por desanimo, mas sim por ter coisas mais importantes pra fazer. Eu mesma preferia caminhar agora ao invés de trabalhar. Eu deveria ter mudado de cidade, taí novamente a escolha!!! Irritante. Eu não deveria nada. Eu queria comer brigadeiro, mesmo que desse piriri. Queria pintar o cabelo de azul. Sair de amarelo canário. Unhas pretas e óculos verdes. Simplesmente não ser percebida. Eu queria não ter decidido ser assim, eu queria assado. Peixe assado, batata assada, pernil, abobrinha, bolo, biscoito, mel, salada fresca, limo nos cantos do box. Cheiro de tudo que eu gosto exalando na hora que eu gosto. Eu queria ser eu, e ser você amanhã, aí voltaria a ser eu e seria a vizinha no dia seguinte, aí ia pulando de pessoa para pessoa. Ia até ser o bem-te-vi do apto em frente. Queria ser calda de chocolate, noite escura, céu estrelado, aroma de anis, beijo na boca, mãos dadas, ser a torre da igreja, sino e sina. Ser hóstia do padre, ser batina, ser fé e ser medo. Ser meio, ser frente, ser bola de gude.
Ser ruga na testa, nariz afilado, cabelo sebento e fivela de prata.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

a mastigadeira

Os dentes soltos na boca fugiam de quando em vez, antes ela cuidava para colocá-los para dentro, mas fazia tempo, em que eles voltavam sozinhos. Ela mastigava o dia todo, ruminando suas falas passadas e outros discursos inventados numa língua que ninguém compreendia. Seu mundo, era aquela cama com lençóis arrumadinhos e cheiro de limpos e a figura do sagrado coração de Maria em cima da cômoda. O universo esticava um pouco quando mais ou menos de duas a três vezes por dia a levavam até o sol. E deixava-a sentada  confortavelmente numa cadeirinha. Ela ia e vinha num balanço que no início a deixava tonta agora nem percebia. Mas dava movimento aos seus fugidíos pensamentos que se entrecortavam numa orgia que misturavam cenas reais e imaginárias e inimagináveis.  
Mas um certo dia, num dos raros momentos de lucidez e mobilidade, ela escutou um barulho que vinha de um canto. Ergueu o pescoço na tentativa de poder visualizar o que era aquilo... e era...era brilhante, reluzente e voando feito louco, um....

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Era o início.

Entre os pés ríspidos ela traçava caminhos ondulantes, crispava toda vez que via um friso no chão. Saltava com leveza estonteante. Ela delicada, elegante, com traços finos e bem delineados, porém não era bonita exatamente. Era interessante. Os negros cabelos perpassavam os ombros. A cintura fininha, dava voltas em duas no cinto de um amarelo desmaiado. A saia de flor tinha um remendo na ponta. A blusinha enjoada com poas muito clarinhos fazia um estilo amassado. Pelo transparente tecido via-se a combinação, muito bem limpa, embora já contasse alguns anos. Os sapatos eram pretos quase no mesmo tom do cabelo e no couro as dobras já existiam, mas ela disfarçava com graxa todas as manhãs.
Assim ia pela rua de paralelepipedos. O tempo chuvoso, o céu enferruscado. Relampejava ao longe avisando mais chuva, mas pra mais tarde. Ela ia rápida, pois tinha muito bolo para entregar. Pulava nervosamente alguma poça mal colocada no chão batido de terra. E via nesse instante sua figura lânguida trotar em ar. E gostava, era um prazer ver-se caminhando. Quando falava caprichava na gesticulação, as mãos bailavam num discursso sem fim.
Era ela, simplesmente Alice.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O calo que descasca...

Nas mãos já calejavam calos, pois ela usava a vassoura na mesma posição. Sentia que a cada vassourada seu tempo se esvaía junto com a poeira. Se sentia velha e descuidada. E era um serviço que não acabava nunca e isso dava uma agonia danada.
Seu aniversário chegava e sua pele já não mais possuia o viço de antes. Seus cabelos também não. Os fios brancos que teimavam em não serem cobertos pela tinta, ela arrancava com pinça, num ato insano de tentar enganar o nascimento de outros. Mas esses como a poeira teimavam em retornar.
Hoje ela quebrou uma unha. Estava cultivando um comprimento perfeito e mesmo usando luvas durante a limpeza - medida que decidiu recentemente - a unha lascou, bem num lugar impossível de cortar sem sangrar. E, agora, dá topada com a desgraçada da unha quebrada em tudo quanto é canto. Freud se referiu a bater com machucados em algum lugar, e isso queria dizer... ela não lembrava de onde leu ou ouviu - e pior - não lembrava se realmente tinha ouvido ou se estava gagá.
Mas o fato de questionar se estava gagá ou não, devia fazer confirmar um pouco de consciência. Ou será que não era tudo sonho?

terça-feira, 6 de abril de 2010

De pernas pro ar!

Ela não era uma moça fácil. Tinha pensamentos bem confusos desde cedo. Se sentia deslocada. Mas tentava agradar. E não conseguia ou conseguia algumas vezes. Mas o que ela queria esconder? Por que não mostrava a moça destemida, a extravagante, a divertida com ideias revolucionárias? Por que se escondia atrás da imagem de boa moça? Do que tinha medo?
Enquanto ia sacundindo no bonde, pensava exatamente isso. Mas quando pensava em colocar pra fora que nem golfada de bebê seus verdadeiros sentimentos dava preguiça.  E permanecia naquela inércia, naquele corpo quase transparente, queria mesmo que ninguém a visse.
E ia olhando em volta. Gostava de olhar! Gostava de olhar sem ser vista e quando olhava imaginava muitas histórias. As pessoas eram outras, em outras épocas, com dramas, com segredos pecaminosos, com maldades dilacerantes. E ria, um riso tímido, mas por dentro era uma gargalhada só, estridente, quase de pomba gira! E sacudia de tanto rir, com as pernas escancaradas!

sexta-feira, 19 de março de 2010

Entretanto...

              Café. Seria talvez um deslize do fígado ou aquele café estava com gosto de  melado? Coçava a cabeça enquanto tentava decifrar tão difícil questão.
Tinha que sair daquela cadeira, mas o corpo atualmente teimava em não oberdecer. E, ali, ficava quase criando mofo, de tanta falta de ânimo.
Por fim levantou-se. Bocejou, olhou em volta, tossiu, fez que ia e não foi. Cambaleou, quase caiu. Mas deu o primeiro passo. Arrastando os chinelos, foi até a janela.

               O dia era nublado, mas não fazia calor. Tinha chovido um pouco e o chão da calçada estava molhado. Em algumas poças refletiam rostos, imagens que passavam rápidas na rua. Fazia um silêncio estranho, pensou. Aquela hora a cidade devia fervilhar, porém estava um silêncio que quase dava para pegar. Era tão real, que dava vontade de retirar com as mãos um pouco, ou melhor, um pedaço daquele silêncio e guardar. Quem sabe na gaveta, para quando mais tarde o zumbido estridente dos carros, das buzinas, das pessoas falando, das sirenes, do estardalhaço da grande cidade atrapalhar seu sono, ele o usar um pouquinho.
           
              O som do silêncio, quantas melodias podia fazer, quantas canções poderia compor, quantos mundos, quantas estradas, quantas mulheres, quantos beijos, quantos olhares, carinhos, tapas, entremeios, quantos...silêncios...quantos?

              Era verdade, finalmente entendeu, o café estava com aquele gosto. De silêncio? Não. Com gosto do melado que - ironicamente - esqueceu que usava toda manhã.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Ele morava na mesma casa desde que nascera. Conhecia pouco do mundo. Os dias eram iguais. Acordava quinze para seis. Espreguiçava - sempre do mesmo lado - descia da cama sempre a perna direita, depois a esquerda. Subia o tronco devagar, não raramente, perdia o equilíbrio, e tinha que superar suas forças para não tombar na cama. A parte mais complicada era colocar os pés no chão e saber - muito angustiado - que teria que depositar nos seus pobres tornozelos, o peso do seu corpo.  
Seguia para a cozinha, abria a janela - primeiro a dá esquerda, depois a em cima da pia - e respirava. Abria a torneira e enchia a chaleira de água para o café.
Ia para o banheiro em seguida. Mas, nesse dia, algo estranho aconteceu. Ao passar pela soleira da porta sentiu uma presença atrás dele. Uma espécie de frio na espinha. Arrepiou-se dos pés a cabeça. E teve a nítida, quase certeira, visão de uma moça no corredor. Ela olhou bem fundo nos seus olhos e como se dançasse, deslizou até bem perto dele. Seu hálito era quente e tinha um suave perfume de flores. Ele não se espantou, apenas por uns intantes fechou os olhos pra melhor sentir todo o momento. Quando abriu, sentiu algo frio que envolvia seu corpo. Não conseguia se mexer. Apenas os olhos se moviam. E assim ficou - não bem sabe por quanto tempo - dormiu, acordou e continuava lá. E dormiu mais ainda. Foi acordado de sobresalto por um estrondo e pensou: Finalmente deram por minha falta. Mas no mesmo momento, pensou: Mas quem pode ter se lembrado de mim? Com o olhar turvo, viu dois homens se aproximarem, eles o olhava com uma cara estranha. Examinaram, mas nada falaram. Anotavam, andavam pra lá e pra cá. E nada faziam. Por que não o tiravam daquela incomoda posição? O chão era frio, o corpo estava frio. Novamente o sono lhe caia, tentando novamente cerrar seus olhos, mas ele lutava...Estanhou mais ainda quando os mesmos homens tentaram sufocá-lo com um lençol e bruscamente o levantaram e jogaram numa caixa. Seu corpo estalou ao bater no fundo da caixa e com seu grito surdo, ele finalmente foi conhecer o mundo.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Silêncio não é tristeza

Quietude. Sempre fora faladeira.  Agitada, quase nervosa, não era exatamente  histérica, mas era afobada. Chegava aos lugares alegre, sorria com os olhos, e coçava a boca de querer falar. E, quando, encontrava um pobre coitado desandava a falar sem respirar.
Mas a vida muda, vai se levando cacetadas e ela foi percebendo que lucraria mais entremeando seus falatórios com instantes de silêncio. E, assim foi e foi se encantando por esse novo espaço. Percebia o quanto eram amplos esses momentos de puro deleite silencioso, foi ficando mais concentrada, mais séria - assim diziam os desavisados - mais atenta. Ali mais presente ela estava e os outros também.
Hoje gosta de ficar quieta, dentro dela mesma, observando e só fala quando acha pertinente. Mas aí é que tá... Agora todos, os mesmos que não aguentavam tanta conversa, perguntam, insistentes: Tá triste?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O porão

Ranger de tábuas. O que via era seu sapato. As linhas, as dobraduras, já estavam  marcadas no couro. E, quando andava rangiam, só não sabia se era o assoalho ou os sapatos ou uma sinfonia dos dois juntos, escolhendo o silêncio de um para soar o barulho do outro.
A agonia crescia no peito, olhando pela janela, nunca - pelo menos não lembrava - de ter aquela sensação, mesmo com todo um campo aberto em sua frente.
"Trem mais esquisito" pensou. Continuou rodando. E, como cabeça vazia é oficina do diabo, começou a espetar o capiroto e queria resposta. Da dúvida, surgiu histórias, sem pé, nem cabeça.
E, por mais, que dissesse pra si mesmo: "Para de pensar bobeirices, homem" a cabeça estava a todo vapor. O capeta lá, espetando! E, ele, Heveraldo tentando afugentar o coisa ruim.
Aí resolveu ir a cozinha e tomar água com açucar. "Dona Noca, diz que é bom!"
"E se eu colocar um pouquinho de cachaça?" Mas, pensou, que a beata, não aprovaria. Pegou o copo no alto da prateleira, tava meio engordurado, mas servia.
Pegou água do pote de barro e acrescentou o açucar cristal. Também tava meio empedrado, mas deixa pra lá! E mexeu com o dedo, pois não achou colher. Num gole só, como se aquele ato fosse salvar sua vida, deglutiu...mas entrou no buraco errado e " os gragumilos engasgaram-se" repetiu o pobre coitado do homem atormentado. Tossiu tão forte que escarrou longe! Mas pelo menos livrou-se do desespero. Já não mais se aguentava, quando a porta rangeu - tudo ali rangia? E pelo estalo do degrau, meio suave, meio desconfiado, viu que era Nilita.
Correu a ficar sentado na mesa da cozinha, pegou o jornal e fingiu ler, embora as letras se embaralhassem em sua frente.
Ela, calma, como sempre, entrou, olhou pra ele, se aproximou, beijou sua testa e disse: " Tudo bom?" Ele, resmungou "é tá." Ela assentiu e saiu que nem pluma pro quarto. Ele se virou bem devagar e cresceu em seus olhos a imagem mais horrenda de sua vida, no mesmo momento tonteou, firmou a vista, mas ela já tinha ganhado o corredor.
" A costura da saia tá torta" passou a mão na testa e o suor começava a aflorar.
"A saia tá torta" Espremeu os cabelos. " Ela tirou a saia"
Nessa última fala, ele se ouviu e tudo pareceu distante, tranquilo e sedoso.
Ele se levantou, foi até o armário, abriu a gaveta que também rangeu. Bem no fundo, onde só havia sombra, tirou o facão da bainha. Passou o dedo, viu que não tinha muito corte. Mas sorrindo, já um sorriso demente, balbuciou:
"Assim já serve"

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Confesso...eu pequei!


Penso na construção de um personagem.
São tantas as variantes em minha cabeça que confesso - completamente sem pudor - Não sei por onde ir.
Não encontro nenhuma técnica absolutamente confiavél. Não que as técnicas não sejam. Eu usá-las é que não acho confiável. Não que eu seja infiel, incapaz de seguir alguma, mas sempre me pego me achando canastrona. Não canastrona porque acho que sou canastrona como atriz, porém me sinto canastrona por não conseguir seguir ao pé da letra tal ou tal técnica.
Sem saber acabei de conquistar uma verdade incontestável. Assumi minha sem vergonhice. É isso! Consegui - seguem pulinhos patéticos feitos nesta que está sentada a cadeira defronte ao Monitor! - fui sincera com a pessoa mais difícil de ser ...Eu mesma! Estou que nem Gumercino - "Não quero arrancar a página, quero é cair no samba!" Espera aí....

Irresistível...tive que correr a janela e aproveitar, meio que quase caindo lá embaixo, um pouco de chuva que cai pra molhar o que der pra molhar! Revigora. Queria é tá no mato recebendo essa chuva toda, mas como não tô, ensaiei na janela.

Voltando...é isso! Fui honesta. Contudo isso não quer dizer que não queira experimentar mais algumas técnicas novas, velhas, imponderáveis, ocultas, sinistras, alegres, divertidas, contundentes, leves, pesadas...ah! Oba! Eu quero é cair no samba!

domingo, 24 de janeiro de 2010


Para onde leva essa estrada? Que cidade será essa?
Quando? Onde? Como? E com quem?
Enquanto caminho, sinto cheio de café que acabou de ser passado.
No céu relâmpagos avisam da chuva que vem, me lembrando do meu passado mais distante.
E sinto um prazer enorme em caminhar, meu presente.
Sem hora, sem preocupação, sem ninguém conhecer, meu futuro.
Eu nunca caminhei tão bem comigo assim.

Frases entrecortadas....

Começo de era. Assim era no início. Assim vai ser sempre. Início, nunca reiniciar, sempre começar, escrever, nunca reescrever. Como diz um amigo: Não vire a página, arranque-a! Sim e assim sempre vai ser a partir de agora. Fotografia em preto e branco em vão, quero estar no vão das coisas, ser simplesmente um texto redigido sem pontuação e ir modificando de acordo com o sabor do momento e da virada. Virada do ano, promessas novas, novos acontecinentos acometidos de nada mais e menos ainda. Ufa! Esse foi um discurso livre cheio de raiva! E, assim, Gumercino descia a ladeira com a cabeça repleta de frases prontas, receitas feitas, provérbios mais que ensebados. E ele ia arquitetando todas as suas frases ordenadas em ordem alfabética. Até que escorregou. Se estabacou completamente em plena esquina da Rua Alice com a Rua das Laranjeiras e para piorar a situação, lá bem perto, vinha o Gigantes da Lira. Rua cheia, repleta, muitos risos, pessoas olhando, uns vieram ajudar, mas ele permanecia com olhar naquele límpido céu e sua cabeça foi se distanciando daquela turba e foi apenas ouvindo o falar intenso, os passos, a música ao longe. A batucada, os risos e qual era mesmo a ordem das suas frases? O que fazia ali com o sol a aquecer sua face e a calçada a queimar suas costas? Num instante tudo se fez claro. Nada mais em ordem, tudo confuso mas com uma sinceridade que nunca sentiu antes. Abriu os olhos, encarou quem o ajudava, limpou as calças, agradeceu, disse que estava bem, só um susto, fiquem tranquilos, etc. E pensou: Que arrancar página que nada, eu quero é cair no samba!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Interminável

Calor insuportável e ela caminhava com dores no quadril. Noite mal dormida. Boca ressecada, um inconfundível desespero pelo tempo que findava. Estava inquieta, descontente e não sabia por onde começar. Desceu a rua movimentada.  Com passos cuidadosos para não piorar a situação das pernas que pesavam nos velhos sapatos desbotados. Quase não percebia o vento quente de verão, seus pensamentos eram tão egoístas que se concentravam apenas nela, em como sofria, em como era  injustiçada e com era...como era...como era...
Quando foi retirada de sopetão de seu interior mofado por uma freada brusca. Olhou mas não sabia de onde tinha vindo aquele som. O coração disparou e conseguiu entre as gotas de suor que lhe desciam pela testa vislumbrar duas pessoas discutindo, impedindo o trânsito de andar.
E, ficou parada olhando as pessoas que gesticulavam nervosas ao longe. E como num solavanco saiu daquele estado e deu uma vontade sublime de tomar sorvete de casquinha, mas "diabos" onde encontraria sorvete de casquinha ali?