domingo, 6 de outubro de 2013

Inadequada.

                         
                       Faz tempo. Um tempo dolorido onde me proibi. Agora volto. Justamente pelo mesmo sentimento de inadequação. Escrever. Mesmo que a princípio não faça nenhum sentido. O incômodo não permite que nenhuma posição para sentar seja confortável. Por dentro estou desconfortável. Tanto que tenho receio de me acostumar.

                      Uma sensação nada interessante de perder um pouco a direção. E não saber ao certo se é melhor caminhar ou permanecer onde está. Me lembro uma vez que por pura birra resolvi fugir da minha avó. Estávamos num parque e eu por ciúmes da atenção dada aos meus primos mais novos resolvi fugir. Essa não foi a primeira das minhas fugas - essas sempre ridículas! - E fui me afastando, afastando, mas nunca o suficiente para realmente me perder. Nunca me perdi realmente. Inferno! Essa falta de coragem em me perder incomoda!    

                     Portanto voltei a escrever. Hoje posso, não dói tanto. E preciso escrever e logo em seguida ler em voz alta para que eu mesma possa ouvir. Funciona como uma espécie de ...de coisa nenhuma, talvez uma desculpa esfarrapada para chamar a atenção.

                     Ele caminhava tropego pela alameda, dava topadas no dedo do pé de lascar as unhas, que só iria sentir no dia seguinte. O céu era de um cinza chumbo que entristecia. O ar abafado fazia o suor descer desgovernado por dentro da blusa e fazia uma enorme poça bem no umbigo, ai dava uma volta completa e ora descia por uma perna, ora pela outra, bem ao acaso.

                    Fiquei olhando. Para onde seguiria, até onde seguiria? Ia em frente sem dúvida nenhuma da sua direção. O rumo apesar de incerto nos passos desequilibrados era firme. Sabia pra onde ia e simplesmente seguia. E eu seguia com o olhar. Uma vontade de saber mais. Onde será que nasceu? Onde nasceu? Onde mora? Quantos anos teria?

                  Mas ao invés de fazer o que desejava, fiz o inverso. Fechei a janela com rapidez e mesmo agoniada deixei o tempo passar até não dar mais tempo de segui-lo.  E abri novamente a janela. Nada, ele sumira na esquina. Naquele momento descobri uma nova e deliciosa possibilidade...de perder...de deixar perder...e ficar como o que nunca existiu. Um vazio que poderia a qualquer momento ser preenchido. Mas o que eu queria realmente era deixar vazio.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Rendilhado

os grilos a perseguiam, mas era uma perseguição branda, daquelas que dão repouso e não angustiam. Ela andava da janela em direção a cozinha e sempre rangia a mesma tábua. Eram os ossos que também esvelheciam? Nada envelhecia, sentia-se ainda com idade de moça, pele esticada, cabelos com brilho... é isso, havia estacionado fazia muito tempo. E, estacionada e não engessada, perseguia muitos anos de criações. E apenas ia, vindo, chegando, distanciando, silêncio e cura. Era ela, só e simplesmente. Era só, pensamento, ação e azia. E perfazia, cada momento uma descoberta nova. As velhas jogava-as no lixo, só guardava o que valia. E valida, ela ia. Não se importava até quando, queria apenas continuar ouvindo grilos, o ranger das tábuas. Seus pensamentos, seus sussuros e sonhos de moça. Ora velha, ora mediana, apenas importava ser ela. Simplesmente.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

um emaranhado de sons...




meus ouvidos estão confusos ou escuto mesmo uma  mistura de grilos, sons de noite depois da chuva, televisão ligada, chuva, ruído, ai...ai..ai...a chuva venceu. Barulhinho único. Estalando folhas, estatelando gota na terra, perfumando o ar. Vento, friozinho, carícia neste fim de noite quente. Assim podia ser sempre, sem alagamentos, apenas para refrescar. Resfria o espírito, inspira, amadurece, acalma.
...é fechar os olhos e viajar. Pra onde iria eu? Que lugar? Com que rapidez? Nostalgia de fim de ano anunciado. Natal, luzes, coração aquecido, meio doido, porém mais consolado. Cheiro de avelã, rabanada, sons de falas queridas, umas presentes, outras na memória. Guarde sempre meus ouvidos esses sons e outros para que nos momentos de tristeza, solidão ou espera eu possa apenas fechar os olhos e ter companhia. 

sábado, 11 de dezembro de 2010

No viés do vento

...o vento assoviava. Dava-lhe uma agonia desgraçada. Rolava na cama, tentando espantar o incômodo. Mas as vidraças batiam. O suor a escorrer pela testa. Aí se irritava, batia com as mãos na cama. Espichava o punho até a cabeceira e olhava o relógio, as horas passavam velozes e ele lembrava que acordaria cedo. Um gosto amargo na boca e do estômago um friozinho perpassava quando pensava no dia seguinte. Não haveria mais desculpa, tinha que terminar o serviço.
Será que ninguém o havia seguido? Será que tinha limpado tudo da melhor maneira? Será que morto não acorda? Seria um sonho? Perambulavam pela sua cabeça dúvidas que dilaceravam sua razão. Teria ele mesmo sido capaz de tal ato? 
Ele seguia como sempre pela mesma calçada. O dia era quente, mas sentia-se feliz, finalmente resolvera que precisava assumir e endireitar a vida da pobre moça. É certo que fora alarme falso, a gravidez desconfiada alguns meses antes era agora passado, assim que as regras de Regina desceram. Mas ele gostava dela. Era simploria, mas era bonita. Não era inteligente, mas era esperta. Se era de família desconfiava que não, mas parecia ser correta. Limpa, com curvas, cabelos sedosos, hálito bom. 
Poderia ser uma companheira interessante. Então atravessou a rua, o coração nesse instante disparou. Viu o apto com a luz acessa. Em sobressalto, viu a porta aberta. Subiu as escadas, meio sem entender.  
Entrou. Chamou. Chamou novamente e nada. Seguiu pelo corredor. E um frio na espinha o fez parar na porta. Só viu os pés. Num vai e vem. Tontura. A cabeça rodou. O rosto que o olhou era conhecido. Um vulto correu e ganhou a rua. Só ficou ele e Regina. Ela o fitou com medo. Sua expressão devia ser assustadora. Ela começou a chorar baixinho, pedia perdão. Ele só lembrava dos dedos no macio pescoço e um barulho surdo. Um estalo. E ela mole, os olhos agora não eram de suplica, eram nada.
Seus olhos, os dela. Nada. O vento cantava, triste, um lamento...

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Hoje acordei alagada

Hoje acordei alagada. Ih! Fiz xixi na cama não! Acordei, tomei café, sai, voltei e tinha uma cachoeira emanando das paredes de minha área. E fiz uma epifania. Pensei o que significa? Será que é dinheiro escoando pelo ralo como dizem os orientais? Será que é algum aviso? Serão os marcianos entrando pela minha parede. Ou será que sou eu precisando urgentemente lavar minha vida com água de rosas e muita lavanda pra afugentar os "coisa ruim"? Faço o que então? Grito pelos bombeiros, chamo a guarda costeira, faço um bote, vejo com quantos paus se faz uma canoa? Acendo um defumador feito de aruanda e pó de guiné, misturado a alfazema e lilás? Ou pego mais pesado e faço um emaranhado de ervas daquelas com pó de café, cimento e canela? O máximo que conseguiria seria botar fogo na casa. 
Então o jeito foi gritar pelo porteiro, que quando veio cismou que meu registro ou será resistro!!!!!!!Não fechava. Santo assassinato da língua portuguesa, estou "meia" cheia disso! Meus ouvidos estão ficando entupidos de tanto ouvir essa maravilhas ditas pelas bocas _ carentes ou nem tanto!_ sobre a nossa língua materna. Mas eis que o meu porteiro, constatando que sou capaz de fechar meu "resistro", isso após ter tentado de toda forma argumentar que o restante do moradores não podiam ficar sem água, fechou a coluna. E eu podia? Podia não ter água, mas podia ficar alagada da água que minava das minhas recém reformadas paredes que agora se fundem num buracão. Calor a parte, fechou-se a tal coluna e agora escrevo com um ressoar de belas pancadas de martelão em meus ouvidos. Pelo menos fecharam-se as cataratas do Humaita.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Calçada pela metade.

Quantos barulhos são necessários? Urgia constantemente a vontade incontrolável de sacudir o corpo feito batedeira. Dava tanta agonia que puxava peles e mais peles da tão massacrada unha.   Ou melhor dos cantinhos das unhas. E deixava sangrar, num vazamento infindavél. Dava-lhe prazer. Assim era sua vidinha. Acordava. Passava um pente molhado pra alisar o cabelo. Jogava uma água nos cantos dos olhos para espantar as remelas. Vestia muitas vezes a mesma camisa ao contrário pra disfarçar - pensava  ele - o amassado. E saia para tomar café no bar. De lá, sentava no mesmo banco pra tomar um solzinho, quando tinha. Ficava olhando os dedos dos pés nas chinelas maltrapilhas e ficava a desenhar ondas do mar - que nunca vira - na areia amarronzada do parque abandonado. E, assim, ficava até o sol esquentar a meia careca, o que denunciava que já devia ser meio dia. Voltava para casa sempre pela mesma calçada. E de longe sentia o cheiro de ovo a fritar na frigideira. Sentava na mesa vestida de meia toalha e almoçava. Comia sempre pão com banana não importava se fosse ovo, macarrão, feijão com peixe ou dobradinha. Depois espreguiçava as canelas finas por baixo da toalha e ia para o quarto tirar uma soneca. Acordava suado e pensava: passei da hora. E levantava num sobresalto. Então olhava o rosto no espelho. Alisava a pele como se pudesse reverter o tempo.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Seria simplesmente assim.

Eu poderia gerar qualquer coisa, mas dependeria de uma iluminação divina que dissesse: Pode ir por aí, criatura confusa! Então, olharia pro chão coberto de estalantes e secas folhas e iria...iria fertilizar o mundo, enchê-lo de colorido, de cheiros acredoces, divertidos, de cortinas brincalhonas, de tortas de banana muito açucaradas e soladas, de risada contagiantes, de jogos de xadrez jogados em fim de tarde chuvosos em plena varanda com vista pro infinito e muito frio arrepiando os pelos das canelas.  
Produziria muitas xícaras de chá com canela, chocolate granulado, rios que congelam os dedos dos pés e deixam ver os peixinhos mordiscá-los. Colheitas inteiras de margaridas e lírios. 
Finalmente cederia a minha mais iluminada sina, a de escrever anos a fio, seguindo o sangue das minhas veias. Relataria tudo, sem sombra de dúvida, iria pelas palavras desenhando os perfis, criando outros, fazendo brotar desse terreno muitas vezes árido um pouco de folhagem verde, fresca e reluzente.
Iria gerar mais um jardim, um canteiro, um quarteirão. Não importa. A vastidão é larga, é imensa, é completamente espreguiçada de mim mesma. E vou me esticando e abraçando com as ponta dos dedos os sonhos mais distante, mais amados, mais...mais...até estalar os ossos.